quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A Resposta.

Abaixo segue um vídeo que mostra o Centro Cultural Mestre Noza, em Juazeiro do Norte. Centenas de obras colocadas de qualquer jeito possível se aglomeram debaixo das árvores. Cangaceiros, animais, demônios, budas, há tantas coisas... e a grande maioria sob forte influência da arte de Nino e Mestre Noza, muitos deles são somente a repetição de formas criadas pelos dois. Janjão fala que quando entra ali sente-se como se estivesse em “Alice no País das Maravilhas”, tantas são as criaturas extraordinárias e então, no meio daquilo tudo, a influência do Fractais...

O que aprendi com ele e com o filme é que o que se refere a riqueza cultural, não importa ficar se questionando demais, o que realmente importa é o que se faz com toda essa cultura. De alguma forma o imaginário pessoal acaba moldando esse imaginário universal. A arte de Nino e Mestre Noza influenciaram de tal maneira o universo cultural nordestino que chamamos de escultura popular ou Naif aquilo que realmente é influenciado por dois artistas e repetido à exaustão. A tentativa de dialogar com uma herança cultural rapidamente leva ao questionamento tradição versus cosmopolitismo. É a dialética, que a meu ver, no caso da arte, aprisiona e leva à copia de modelos internos ou externos. O que aprendi com Janjão é que apenas um profundo mergulho em um universo pessoal pode gerar algo realmente novo e aí o dualismo entre o velho e o novo entra quase como um subtema, um elemento a mais, mas nem de longe o mais importante.

Tornando mais clara a coisa, Janjão me disse uma vez: “Depois de mim, ninguém!”. Pode parecer bastante arrogante e eu o questionei sobre isso, então ele me disse: “Já sou filho de empregada doméstica com pedreiro, mais humildade do que isso não é humildade, é humilhação!”. Eu ri e conversamos mais sobre o assunto. Entendi a idéia dele: se você procura ser realmente você mesmo, se procura realmente em você realmente quem é, ninguém poderá ser mais você que você mesmo. Ninguém pode ser mais Janjão do que o próprio Janjão! Daí a frase: “Depois de mim, ninguém!”. Agora, se você olha para outro como modelo, você sempre será... a repetição, mais uma obra no Centro Cultural Mestre Noza, um componente do imaginário coletivo, fundido na riqueza cultural.

"A Chave".

A pergunta que as pessoas mais me fizeram após as projeção do “Fractais”, foi: Onde você achou esse cara? A resposta mais simples é: “Eu tinha a chave.”.

Na verdade, assim como Janjão, eu sou cearense, e durante toda a minha vida li e ouvi de alguns artistas e intelectuais de minha terra, o quão rica é a cultura popular nordestina, e o quanto ela era mais valiosa que qualquer cultura estrangeira. O meu comportamento nesses momentos era ambíguo. Por mais que gostasse da idéia de viver em uma região culturalmente rica, me incomodava achar que John Coltrane, Michelangelo, Cervantes e por aí vai, seriam uma cultura menor. De fato, ao olhar para a cultura nordestina, via em muitos momentos a repetição de determinados temas que me envergonhavam em minha cultura, como o coronelismo, o machismo e o aproveitamento da fé. Por outro lado, o único discurso que se contrapunha a esse ufanismo cultural, era um discurso “cosmopolita” que era influenciado principalmente por uma cultura POP bem mercantilista ou por um pensamento europeu, e particularmente francês, que me cheirava a uma certa submissão. A questão que ainda permanecia era: Não gosto desse olhar da tradição que repete preconceitos, mas nasci com essa cultura riquíssima atrás de mim, o que fazer com ela? Foi então que passou pela minha mente a idéia de que alguém, em algum lugar, já deveria ter feito estas mesmas perguntas a si e que talvez tivesse essas respostas para me dar e que o local mais provável para encontrar essa pessoa seria em Juazeiro do Norte. Peguei a minha câmera e fui.

Eis aqui o que chamo de “chave”, ou seja, o questionamento. Foi ele que me levou a descobrir o Janjão. Foi ele que me fez andar nas ruas de Juazeiro batendo na casa de conhecidos de conhecidos atrás “dessa pessoa”, que não sabia, era o Janjão. Confesso que desde esse momento descobri uma coisa importante sobre os filmes e sobre o meu relacionamento com eles. Filmes, para mim, são como pontes, que me levam do lugar onde estava para onde estarei.

Na próxima postagem há um trecho que não entrou no filme e que foi a resposta ao questionamento.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A Deusa e a Profanação.

Quando Janjão me falou dessa estátua, não tive dúvidas, tinha que gravar, mas ele não identificava a escultura, dizia apenas se tratar de uma escultura grega. Ele descrevia com exatidão também a localização no museu, o tamanho e o estado da obra. Sabendo que ficava no MASP fiz uma busca e encontrei a estátua da Higéia que está na cena acima.


Tamanho, localização, estado da peça, as costas encontravam-se trincadas como ele me falou, não havia dúvidas. Filmei e coloquei no filme. Foi uma das poucas cenas que mostrei antes do corte final do filme e somente à algumas pessoas. É uma de minhas favoritas. No entanto, a cena não entrou no corte final. Por quê? Pouco antes das decisões finais, mostrei à Janjão e ele rejeitou a cena. Ele me disse: “A estátua é bonita, mas não é a mesma em que passei as mãos!”. Eu repliquei: “Mas Janjão, não há outra estátua no museu como você descreve, apenas essa!”. Ele insistiu: “Não é essa!” Fiquei confuso. Poderia ter me enganado? Existiria outra estátua? Foi aí que Janjão me deu uma pista do que poderia haver acontecido: “Heraldo, essa mulher segura uma cobra na mão! Você acha que eu esqueceria uma mulher com uma cobra na mão?”. Após rir bastante da analogia com o falo, me veio a explicação: a cobra na mão transformava aquela Deusa em mulher! Uma Deusa estaria acima das relações sexuais, seria algo idealizado, a “Deusa” dos artistas, figura feminina intocável, mais ainda por estar em um museu. “Não toque nas obras!” dizem os avisos nos museus, mas Janjão a tocou, não é? A sua descrição já mostra o quanto foi importante para ele. Na sua memória, com o tempo, a imagem da escultura foi se modificando, aproximando-se daquela imagem de deusa e perfeição que ficou em sua mente, tornando seu toque mais especial e mais profano. O terreno, a cobra simboliza isso duplamente, por seu símbolo fálico e por ser um animal rastejante, foi cuidadosamente apagada da memória tornando o evento mais mágico.


Bem, esta é a explicação que encontrei e não adiantava argumentar com Janjão. Ele estava irredutível. Não era aquela e pronto! Talvez eu devesse ter levado Janjão à São Paulo e mostrado a ele que não há outra estátua, somente aquela, e filmaria o seu rosto quando percebesse “a real” imagem de sua Deusa. Conheço vários cineastas que fariam isso, mas sabe de uma coisa? Talvez ele tenha razão. Talvez eu tenha filmado a estátua errada.


Fractais Sertanejos foi selecionado para o Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo. Vou ter a oportunidade de voltar ao MASP e mais uma vez procurar a estátua misteriosa. Quem sabe ela está bem ao lado da que filmei... Talvez seja igualzinha à outra, mas maior, com mais detalhes, mais magnífica e... sem a cobra!


Na verdade cada vez que revejo a cena acima, vejo menos a cobra.


Heraldo Cavalcanti.

P.S.: Fractais Sertanejos será exibido em São Paulo nos seguintes dias e locais:

Dia 21/08 - 17H00 - CineSESC
Dia 22/08 - 16H00 - Centro Cultural São Paulo
Dia 24/08 - 21H00 - Cinemateca - Sala BNDES
Dia 27/08 - 20H00 - Cineclube Grajaú

sexta-feira, 3 de julho de 2009



Há alguns anos atrás eu tinha um sonho recorrente. Em uma cidade contemporânea e suja eu percorria as ruas entre prédios feios, puro concreto tipo caixa de sapato, então eu via um buraco em uma parede e algo me atraía. Eu atravessava e de repente estava em outra cidade, quer dizer, era a mesma cidade, só que a cidade de antes, a antiga cidade, construções antigas esquecidas, meio decadente pelo descuido e esquecimento, mas mesmo com isso, ainda linda. Uma cidade esquecida dentro de outra cidade que era a mesma cidade.

A base da idéia que originou o meu filme não foi esse sonho. Foi uma experiência olfativa que tive quando andava ao lado de um jardim e que me remeteu a minha infância, somada as reclamações de solidão de uma avó e a uma conversa que ouvi meu pai tendo com um operador de telemarketing. No entanto, a imagem do sonho voltou com força total após o final das filmagens, quando gravei na rua em frente à casa que foi a locação principal do curta. A casa de 1912 destoava de toda à rua, mas a sujeira e a fuligem misteriosamente a tinham tornado invisível. Era quase como no sonho, só que a diferença principal residia de apesar de tudo aquilo, a beleza se mantinha no interior da casa. Outro tempo onde uma senhora toca Bach ao piano, e a sua irmã ajeita os móveis antigos fora de lugar. Quem parar ao lado do estacionamento por volta das 16h. poderá ver uma delas à janela, e se filtrar os barulhos da rua, ouvirá o som do piano. As subtilidades belas de outro tempo escondidas atrás de uma parede encardida, que se torna um manto de invisibilidade.

Conto isso porque adquiri um novo costume depois dessa experiência: olhar pelas portas entreabertas das casas antigas. O que tenho visto tem me despertado mais e mais curiosidade. Muitas vezes é só um corredor escuro, mas às vezes é uma senhora que dorme o sono leve dos velhos em uma cadeira de balanço, uma ponta de jardim que parece exuberante em um centro urbano caótico. Dia desses vi um átrio... Seria uma casa de clérigos? Nesse meu passatempo tenho descoberto outras casas, invisíveis ao olhar passageiro, que despertam a imaginação e que com seus interiores acabam formando essa outra cidade.

Quantas cidades há em uma cidade?

Heraldo Cavalcanti.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Corta de "IN", põe de "OUT".

“Espera...corta de “in” e pôe de “out”. Da play. Volta pro início, vamos assistir tudo de novo.”

Estas foram algumas das palavras mais ouvidas do diretor durante a edição de imagens do “Fractais Sertanejos”. Deixando a parte técnica de lado, a montagem desse documentário fez com que eu tivesse a oportunidade de entrar no universo “tudoenada” de Janjão, e essa foi uma das experiências mais formidáveis que vivenciei.

Antes de imergir nesta história, estava eu na ilha de edição editando algum vídeo com o Heraldo Cavalcanti, (diretor) não lembro qual vídeo, quando Moisés Magalhães (Produtor) chega e os dois começam a falar sobre o “Fractais Sertanejos”, era uma discussão profunda que ia além do significado da palavra, e como eu não sabia nem isso, fiquei totalmente fora do assunto tratado pelos dois. Pensei em consultar o dicionário para saber o significado de fractal, mas como o Heraldo disse que assim que tivesse o primeiro corte do filme iria trazê-lo para editar comigo, então resolvi que assistiria ao filme para entendê-lo.

Depois de assistir pela primeira vez, fiquei apaixonado pelo documentário, que na sua primeira versão tinha quarenta e quatro minutos e mesmo assim estava muito bom, pois já possuíra o modo de ver o mundo de Janjão, além de ter muitas sequências que deixavam o filme bastante dinâmico e harmônico.

Entretanto tínhamos um enorme problema, transformar um filme de quarenta e quatros minutos, em um filme com menos de vinte minutos. É por isso que a primeira frase do texto trata de termos técnicos da edição, para mostrar o quanto nós trabalhamos para que filme conseguisse encaixar nesse tempo.

Depois de vários cortes que fizemos, vemos que a versão final com dezenove minutos tem a mesma essência do primeiro corte, e o que nós tiramos do filme não fez diferença alguma em seu tema, mas não é por isso que algumas sequências retiradas não fazem falta para quem acompanhou o processo de montagem desde o início, como é caso da “sequência de explicação do Fractal” que mostra a dificuldade de Janjão para explicar as pessoas o que é o fractal. Confira abaixo o vídeo desse trecho que foi retirado do documentário.

Magno Guimarães
Editor.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

O Rio-Menino


O filme “Fractais Sertanejos” encontra-se em plena fase de finalização. Rodado em janeiro de 2007, o filme teve problemas de repasse de verbas por parte de seu financiador, mas resolvido o problema, está a poucos meses de ver a luz dos projetores.

Tendo como foco o artista plástico João Batista dos Santos, o filme mostra a sua curiosa obra abstrata, que denomina “TudoeNada”. Como ele diz: “Tudo é a madeira e Nada são os buracos”. As esculturas, que ele descobriu mais tarde serem fractais, acabam traçando um modo de ver o mundo e uma filosofia de viver.

Produzido por Moisés Magalhães, fotografado por Alex Meira e com som direto de Yures Viana, a cumplicidade de uma equipe pequena filmando em Aurora, no interior do Ceará, acabou permitindo uma imersão na obra e em seu sentido. Após algum tempo toda a equipe via fractais para onde quer que olhasse. Percebemos que estamos cercados por eles, porque somos também fragmento de algo maior.

Numa cena do filme, Janjão diz: “As gotas são fractais porque elas viram o rio e o rio vira o mar, que depois irá evaporar para formar novamente o rio.”

Na imagem, o menino salta no rio. Some. Vira o “Menino-rio”, ou o “Rio-menino”.

Heraldo Cavalcanti
Diretor.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Ponta-pé Inicial.

Olá, este é o blog da produtora Anitra Cinema & Tv. A intenção aqui é estar próximo de todos os que gostam de cinema, televisão e outros conteúdos audiovisuais. Aqui virão relatos de trabalhos em andamento, bem como pensamentos dos artistas com quem nos relacionamos. Até logo...

Heraldo Cavalcanti
Diretor