quinta-feira, 13 de maio de 2010

Aí vou eu, para ser mais uma vez roubado.


Amanhã vou estar pagando a licença da Dolby para meu filme “A Casa das Horas”. Para quem não sabe, Dolby é um serviço, na verdade um dos últimos que se faz em um filme, para melhorar a qualidade sonora da produção. Estava então fechando o serviço por telefone e quando desligo, vem aquela sensação de perda. É como perder o segredo, tê-lo revelado assim para todos, e os primeiros a ver o filme, antes de todo e qualquer espectador, são: o músico do filme, o responsável pela mixagem, e... o cara da Dolby. Na verdade, esse cara tem exatamente a idéia do que as pessoas vão ver no cinema. Tudo bem, ele vê em vídeo, mas ainda é o primeiro.


Taí a sensação estranha em pagar essa licença. É a apreensão de que agora não sou mais o dono absoluto de nada. As relações criadas entre filme e espectador vão se colocar acima de tudo, sem que a minha interveniência seja mais possível. Acabou-se! Dalí para a frente eu sou até excluído. Tudo bem, o filme tá bonito. Na verdade, a palavra “Lindo” surgiu de quem o viu ainda inacabado, mas a sensação de perda da posse é que incomoda, mas a “posse” é algo muito triste, não é?


Eu me lembro de ter entrado uma vez na casa de um amigo, que muitos criticavam por só falar e nada produzir. Eu mesmo o criticava por isso. Bem, a casa dele era uma festa! Obras, esculturas, pinturas, partituras de música. Por todo lugar se espalhavam a sua criação artística de décadas. Isso mesmo, décadas. Ele produzia, só não mostrava. Para andar na casa nos espremíamos entre todos aqueles objetos jogados de qualquer maneira, de forma que os próprios objetos da casa é que pareciam deslocados naquele espaço. A cama então era inusitada. Hoje acho que foi muita confiança dele ter me deixado entrar. Ele perguntou o que eu achava. Eu disse a ele que tudo era lindo, algumas coisas eram realmente, outras era benevolência de minha amizade, mas o mais importante é que eu disse que ele deveria colocar tudo para fora. Exibir, mostrar, vender, dar, fazer qualquer coisa com aquilo tudo! Aí ele veio com aquele papo da falta de interesse dos espaços culturais, por aí e coisa e tal; então eu falei para ele colocar no jardim da casa dele, que tinha muro baixo e ficava numa rua super movimentada. “Todo mundo vai ver!”, disse eu. A resposta dele foi: “Não! Vão roubar!”. Eu ainda tentei argumentar. “Roubo de arte, não é roubo! Ladrão que leva arte para casa não é ladrão!”. Não teve jeito e ele nunca mais me chamou para entrar na casa dele...


Talvez o medo dele não fosse o medo do roubo do objeto, mas o roubo de seu significado. Quando alguém se atrai por um objeto de arte, se atrai na verdade por um significado próprio com ele, e que nem sempre é o do criador com a obra, e aí vem o apreciador falar de coisas que ele vê e que o artista não viu, de coisas que sentiu e o artista não sentiu. Na verdade, o espectador, o passante, o apreciador, ressignifica o objeto e alguns criadores nem sempre gostam disso, pois não deixa de ser uma contribuição, uma nova pincelada em um quadro já acabado. Já pensaram quantas pinceladas, a mais, teve a Mona Lisa, visitada aos milhares todo dia? Isso não é ruim, ou é? Ressignificar, significa também mudar o mundo, então que venha o técnico da Dolby e a legião de pessoas depois dele, que venha o mundo.


As janelas e portas da "A Casa das Horas" estão sendo abertas, e aí vou eu, para ser mais uma vez roubado.


Ainda bem!


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